O Inglês Americanizado: a reação do inglês britânico
No século XIX, o inglês do Novo Mundo estava passando por uma fase semelhante à da época da rainha Elizabeth I e Shakespeare. Os neologismos se atropelavam uns aos outros na ânsia de descrever a nova realidade, tentando acompanhar o dinamismo de uma sociedade em constante movimento. Muitos ingleses repudiavam essa “desapropriação” por parte dos americanos – cada americanismo era uma punhalada no idioma pátrio. Samuel Johnson, o lexicógrafo inglês, não perdia uma oportunidade de baixar o sarrafo nos primos d’além-mar. Os colonos, dizia Johnson, não passavam de uma cambada de marginais que deveriam agradecer por tudo que haviam recebido da Inglaterra [H. L. Mencken, The American Language: An Inquiry into the Development of English in the United States, Fourth Ed. Abridged, New York: Knopf, 1989, p. 135]. Alguns britânicos se divertiam com o jeito excêntrico do inglês americano, mas praticamente todos achavam inadimissível a queda das barreiras do tratamento entre as classes sociais – era, e ainda é, o hábito dos americanos tratar qualquer mulher como lady e qualquer homem como gentleman.
Os ingleses nem suspeitavam que suas críticas e achincalhes davam-lhes uma imagem de gente pedante e de mentalidade obtusa, pelo menos aos olhos americanos. E quanto maior o número de visitantes britânicos no Novo Mundo mais se notava a má vontade para com o novo país. A tendência desses observadores era generalizar tudo o que viam e ouviam, muitas vezes com a óbvia intenção de descrever uma caricatura dos americanos. Foi exatamente essa a postura do escritor Charles Dickens na sua visita à América. Durante a viagem, ele anotou e selecionou regionalismos e outras esquisitices que mais tarde foram usados no seu livro American Notes [H. L. Mencken, The American Language (abridged), p. 29].
A explicação era simples: os ingleses achavam que os americanos deviam falar inglês britânico e quando viam que a realidade era outra, partiam para o ataque. Não lhes ocorria que os americanos tinham o direito, e até ótimas razões, para utilizar a língua inglesa a seu modo, sem a intenção de ofender ninguém. Como perguntava um escritor anônimo na North American Review: “A língua inglesa está se tornando totalmente inadequada. Como descrever as cataratas de Niágara com palavras apropriadas para as águas que correm sob a Ponte de Londres, ou como tentar descrever a majestade do Mississipi com palavras inventadas para falar do rio Tâmisa?” [citado no Jounal of American History, dezembro de 1992, p. 913]. Por ironia do destino, quem sabe, os críticos ingleses não percebiam que as suas investidas contra o inglês americano emprestavam aos neologismos uma certa respeitabilidade que ajudava a popularizá-los na Inglaterra [H. L. Mencken, The American Language (abridged), 1989, p. 267].
Mas nem sempre as críticas ficavam sem resposta, mesmo entre os que achavam desaconselhável uma separação linguística e cultural. Na opinião diplomática de Thomas Jefferson: “As novas circunstâncias em que nos encontramos exigem novas palavras, novas frases e a transferência de antigas palavras para novos objetos.” Os mais exaltados, porém, viam a hegemonia linguística britânica como presunçosa, imperial e inaceitável – os americanos haviam se desvencilhado da tutela inglesa e não eram mais seus filhos nem enteados. Noah Webster, o lexicógrafo americano, argumentava: “A nossa honra exige que tenhamos um sistema próprio, tanto em idioma quanto em governo.” E o escritor Rupert Hughes indagava: “Por que deveríamos aceitar a estranha ideia de que o nosso idioma é um mero empréstimo da Inglaterra como se fosse uma panela de cobre que devemos manter muito bem polida e devolver sem arranhões?”
O texto acima faz parte do livro Once Upon a Time um Inglês… A história, os truques e os tiques do idioma mais falado do planeta escrito por John D. Godinho. Adquira essa obra nos seguintes endereços: |
O Inglês Americanizado: conflitos com o inglês britânico
Semelhanças e diferenças entre inglês britânico e inglês americano
Inglês na América: formação e descolonização do inglês americano
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