Curiosidades e dicas do inglês escrito: confusão entre pronúncia e escrita
GHOTI é uma forma estranhíssima de escrever o som que corresponde à singela palavra fish (peixe). Essa metamorfose só é possível porque a ortografia da língua inglesa, como tantas outras facetas do idioma, é imprevisível. Existem regras, claro, mas algumas mais parecem receitas para levar incautos a um hospício.
George Bernard Shaw não hesitava em usar esse exemplo para denunciar o alfabeto inglês como um sistema tão doido e sem lógica que era possível substituir a palavra fish pela palavra ghoti, e manter exatamente os mesmos sons. Vejamos: GH seria o F, como em tough (leia-se /táff/ duro, resistente); o O teria o som do I como em women (/uêmen/ mulheres); e o som SH seria representado pelo TI, como na palavra nation (/neishan/ nação).
Aliás, as convicções de Shaw sobre o assunto eram tão fortes que, durante anos, ele liderou uma vigorosa campanha a favor da reforma do alfabeto. Como nada conseguiu em vida, deixou no seu testamento determinadas quantias para serem usadas como prêmio para quem inventasse um alfabeto em inglês, no qual cada símbolo corresponderia a um som no idioma falado.
Seria mais um alfabeto, com as características básicas de tantos outros inventados ao longo da história. Como diz Steven Pinker, em seu livro The Language Instinct, todos eles não passam de processos artificiais que limitam a comunicação a apenas um sentido, o da visão, quando o sentido essencial da língua é o da audição. Afinal, declara Pinker, a linguagem falada é um instinto do ser humano, enquanto que a linguagem escrita não é. O melhor exemplo disso é o que acontece com uma criança. Ela aprende a falar instintivamente, dando saltos extraordinários no seu conhecimento quase que de um dia para o outro, mas, quando chega a hora de aprender a ler e escrever, a criança normalmente passa por maus bocados. Esse processo é tudo menos instintivo, o que explica o fato de o mundo estar cheio de seres humanos que não reconheceriam uma letra nem que sua vida dependesse disso.
A escrita, em qualquer língua, provavelmente, veio embalada em mistérios. Na língua inglesa, a própria palavra spelling, que corresponde a soletração ou ortografia em português, já parece trazer uma carga de algo fora do natural. Em inglês antigo spell queria dizer, entre outras coisas, como ainda hoje, encantamento, bruxaria, feitiço. Seus estranhos poderes se manifestaram plenamente no período do médio inglês, em que spelling virou o ato de fazer feitiços através da leitura de livros de magia soletrando em voz alta.
O alfabeto do inglês antigo
O alfabeto do inglês antigo era composto de caracteres chamados runes (runas), palavra que, nos idiomas escandinavos, significava segredo, mistério, e que eram representados por hastes com esgalhos. Não se sabe exatamente de onde vieram esses símbolos, mas os estudiosos arriscam dizer que provavelmente eram uma adaptação do alfabeto etrusco aos quais os povos atribuíam certos poderes mágicos.
seis primeiras letras F, U, TH, A, R, K
A cultura anglo-saxônica era tradicionalmente oral – usava as runas para determinadas finalidades mas, em geral, era um povo analfabeto. Só depois da chegada do cristianismo é que os anglo-saxões começaram a se alfabetizar e a adotar o alfabeto romano, com resultados mais ou menos satisfatórios na relação som/símbolo. Porém, não tardaram a descobrir que o inglês antigo tinha sons que não existiam em latim e que o alfabeto romano não tinha letras que correspondessem a esses sons estranhos. A solução foi acrescentar novos símbolos ao alfabeto romano adaptados do alfabeto rúnico, especialmente os que correspondiam a sons que depois vieram a ser conhecidos como o TH, o W, e o G. Mais tarde, esses símbolos adaptados encontraram uma nova barreira e acabaram desaparecendo, vítimas do progresso – é que as impressoras mecânicas importadas do continente europeu simplesmente não previam a existência de símbolos alheios ao alfabeto romano. Em seu lugar começaram a ser usadas as combinações de letras que temos hoje.
Nota do Autor: Outros aspectos do inglês escrito serão abordados em artigos futuros.
O texto acima faz parte do livro Once Upon a Time um Inglês… A história, os truques e os tiques do idioma mais falado do planeta escrito por John D. Godinho. Adquira essa obra nos seguintes endereços: |
A origem da Received Pronunciation
“Glottal Stop” e Pronúncias Desregradas do H, GH e OUGH
Homógrafo heterófono, mudança verbal e influência francesa no inglês
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